Foto: arquivo pessoal

Sobre introversão e timidez

Marcus Vinicius Grattoni
5 min readSep 12, 2021

Por muito tempo confundi a timidez com introversão. Por mais que sejam coisas que às vezes se intercalam, são características distintas. Na minha vida, ambas se fazem presentes, mas com uma diferença: hoje eu abraço e gosto dos meus traços mais introvertidos. Por outro lado, ainda batalho contra a timidez, que não é algo que eu gosto.

A diferença entre timidez e introversão é que a timidez é um sentimento de mal-estar e inadequação no contato com outras pessoas, medo da desaprovação social e da humilhação. Já a introversão é uma característica de personalidade relacionada com a forma da pessoa se relacionar com o meio a sua volta, de modo mais quieto, sozinho e observador.

E olhando em retrospecto, não foram poucas as vezes que senti que a timidez me travou. Seja querendo comentar e elogiar muito um autor e um texto que gostava muito, seja escrevendo textos enormes que nunca viram a luz do sol por puro medo do julgamento, seja na hora de dar opinião sobre algo que trabalho há mais de uma década, ou mesmo para dizer o quão admirava uma pessoa, seja em tom de amizade ou em interesse romântico. Em todos esses casos, o silêncio imperou, guardei para mim. Isso sem contar a angústia em estar com estranhos em situações sociais que não são confortáveis. Ainda, tem também a “obrigatoriedade” do networking nos dias atuais, que é um peso a mais para mim, um desgaste, ainda mais porque minha visão sobre a terminologia é bem diferente do que é propagada, determinando que quanto melhor você é em fazer contatos, mais você tem chances de prosperar. Isso para mim, um introvertido e tímido, é quase uma sentença de morte corporativa (algo que não ligaria se não servisse de subsídio para as outras coisas que gosto e preciso). Inclusive, foge da minha compreensão do termo, que, ao menos para mim, nada mais é do que ter um cotidiano mais profundo com um colega, desenvolver projetos em conjunto e ajudar uns aos outros de modo mais orgânico, sem a forçada de barra presente em trocas de cartões e como notamos nas redes sociais voltadas para o tema. Não tenho a famosa cara de pau e me sinto péssimo quando tento ultrapassar esse limite.

Sobre a introversão, hoje olho com muito mais tranquilidade. Já tentei lutar contra ela, pois sabemos que existe uma cultura enraizada na sociedade que valorize muito mais a pessoa extrovertida, carismática e que tende a ser expansivo. Mas hoje, não apenas abraço como aprecio muito os momentos em que estou sozinho, em silêncio ou com a liberdade de fazer o que bem entender na minha própria companhia, ou, no máximo, com um grupo pequeno de pessoas que considere bastante, em lugares mais tranquilos em que eu possa ouvi-las. A quietude me recarrega, me dá forças para organizar minhas ideias. Aprecio demais os momentos mais silenciosos. A maioria das minhas viagens e dos momentos mais memoráveis que tive foram sozinho ou com poucas pessoas.

No passado, tentava ir para festas, bares e programas mais agitados. Por um tempo, até consegui manter uma frequência e curtia, mas isso sempre me desgastava bastante, mentalmente e fisicamente. Também tentei manter algum tipo de interação mais vazia com as pessoas, mas isso nunca passava no teste do tempo, passava uns meses e eu me perguntava “o que essa pessoa está fazendo na minha lista de contatos mesmo?”. Sempre me perguntei o porquê de não gostar de bloquinhos nos tempos pré-apocalípticos e a razão de sequer cogitar participar desse tipo de evento mesmo que a pandemia desapareça em um estalar de dedos. Provavelmente pela mesma razão que nunca me senti bem com grupos grandes de pessoas (geralmente me sinto sozinho de um modo ruim nessas situações), em casas de shows lotadas com músicas que não gosto apenas por estar com algumas pessoas que considerava. Já tem alguns anos que respeito muito mais meu corpo e mente nesse tipo de situação e consegui, com certo sucesso, viver momentos excelentes que considero alguns dos melhores da minha vida — até março de 2020, leia-se.

E está ótimo. Ser introvertido é parte do que eu sou e eu gosto.

Comecei a pensar sobre o tema em 2017, quando sentia que não estava eu mesmo por mera “sobrevivência”, sentia que estava forçando a barra e me prejudicando no processo. Inclusive, o livro “O Poder dos Quietos”, de Susan Cain, me fez ver o quão importante era o respeito pelas nossas características, que é muito melhor manter o culto ao caráter do que o culto à personalidade. A terapia, iniciada em fevereiro do ano seguinte, também foi fundamental para mergulhar mais a fundo nos meus atributos, do que eu gostava de verdade e de quem realmente sou. É um processo contínuo que me fez aceitar e pensar com muito mais carinho sobre todos esses temas. Eventualmente passei a sentir mais segurança sobre o que sou e o que faço, mas ainda há caminhos para percorrer.

E nos últimos meses, talvez por ter ficado sozinho muito a mais do que queria, de modo forçado, parei para repensar tudo isso. A timidez em colocar algo que considerava legal na rua continuava. Cheguei a desenvolver uma marca pessoal, um esqueleto bem visual do meu portfólio, inúmeros rascunhos de possíveis postagens para uma página em que falo sobre branding e ainda não coloquei no ar, assim como muitos outros textos que estão no rascunho do meu Evernote. Por que? O maldito medo do julgamento alheio. Claro, eu sei que, uma vez no ar, não temos controle sobre o conteúdo e reação das pessoas.

Por outro lado, em conversas com a psicóloga, finalmente entendi que meu conteúdo e meu trabalho devem falar muito mais por si só, independente da minha timidez. Claro, tem meus traços, minha personalidade, mas se a ideia é ajudar ao próximo, não existe uma razão para deixar o conteúdo adormecido.

Um dos meus maiores exemplos de pessoa tímida que conseguiu transpor seu trabalho de maneira brilhante é o Freddie Mercury, gênio musical que não sai das minhas playlists nem por decreto e que tinha uma expressão artística de outro mundo, especialmente nos palcos. A personalidade nas arenas contrastava com a timidez fora dele, que mostra como nós, seres humanos, somos muito mais complexos e cheios de camadas do que esse binarismo do mundo atual tenta impor.

O melhor que podemos fazer é nos conhecer mais e mais, todos os dias, para potencializar o que há de bom na gente. Aos poucos, no nosso ritmo, sem barulhos externos. É uma longa caminhada, mas no fim do dia faz com que nos sintamos melhor.

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